O POETA CHIADO

ALBERTO PIMENTEL

O POETA CHIADO

(Novas investigações sobre a sua vida e escriptos)

Reverendo frei Chiado de Virtude grande imigo, sente tua alma comtigo e verás se estas desculpado d'isto que agora te digo. AFFONSO ALVARES.

Decoração de capítulo

LISBOA
Empreza da Historia de Portugal.
Sociedade editora
LIVRARIA MODERNA
R. Augusta, 95
TYPOGRAPHIA
35, R. Ivens, 37
1903

Pág. 5

Decoração de capítulo

I

As relações de amizade entre os vivos e os mortos são menos quebradiçase ephémeras do que as dos vivos uns com outros.

E a razão é facil de explicar: quem vai, não volta.

Os mortos não falam, não intrigam, não atraiçôam, não desmerecem, porisso, da estima e consideração em que uma vez os tomamos.

Affeiçôa-se a gente a um escriptor, a um maestro, a um pintor ou a umestatuário, que morreu ha muitos annos ou ha longos seculos, e nãodeixamos apagar nunca a lampada do seu culto: colleccionamos-lhe asobras sem olhar a dinheiro, por mais raras que sejam; conservamol-as emgrande veneração como thesouros que um avarento aferrolha a sete chaves;e estamos sempre promptos a combater de ponto em branco pela gloria ebelleza Pág. 6 de suas producções, quando apparece algum zoilo amenosprezal-as com azedume.

E se nas relações com os vivos fazemos selecção do caracter d'elles paraestabelecer convivencia e amizade, pouco nos importa a condição eprocedimento dos mortos quando os estimamos em suas creações artisticasou literarias com intransigente fanatismo.

O meu fallecido amigo visconde de Alemquer, que era um gentlemandistinctissimo, primoroso em maneiras e acções, além de ser umbiblióphilo digno de apreço e consulta, tomou tanto gosto pelas obras dopadre José Agostinho de Macedo, que passou a maior parte da existencia acolleccional-as por bom preço e a muito custo.

Comtudo, havia tanta disparidade entre o caracter de um e do outro,porque o auctor dos Burros foi o mais atrabiliario, inconstante eperigoso homem de letras de todo o nosso Portugal, que o visconde deAlemquer, se houvesse sido contemporaneo do padre José Agostinho, nuncateria podido ser seu amigo, nem seu defensor, nem jámais o quereria vêrem intimidade de portas a dentro.

Pela minha parte, tambem sou obrigado a confessar um similhante fraco,não pelo mesmo padre, mas por outro que, sob o ponto de vista dadisciplina monastica e da dignidade sacerdotal, não valia mais.Refiro-me ao franciscano Antonio Ribeiro o Chiado, que tambem despiu ohabito e foi tunante irrequieto, sendo egualmente homem de letras.

Até 1889, anno em que logrei dar a lume as suas obras, quasi perdidas, egeralmente desconhecidas[1], Pág. 7 custou-me o Chiado bom trabalho ecanceiras para resuscital-o aos olhos do grande publico em toda a suaindividualidade literaria.

[1] Obras do poeta Chiado, colligidas, annotadas e prefaciadas porAlberto Pimentel. Na officina typographica da Empreza Literaria deLisboa, calçada de S. Francisco, 1 a 7.

D'então para cá não deixei de pensar n'elle a investigar-lhe abiographia, que é das mais obscuras e complicadas, e a proc

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