ESAÚ E JACOB

POR

MACHADO DE ASSIS

(da Academia Brasileira)

LIVRARIA GARNIER
109, RUA DO OUVIDOR, 109
6, RUE DES SAINTS-PÈRES, 6
RIO DE JANEIRO
PARIS

Indice


ADVERTÊNCIA

Quando o conselheiro Ayres falleceu, acharam-selhe na secretaria sete cadernos manuscriptos, rijamenteencapados em papelão. Cada um dos primeirosseis tinha o seu numero de ordem, por algarismosromanos, I, II, III, IV, V, VI, escriptos a tintaencarnada. O setimo trazia este titulo: Ultimo.

A razão desta designação especial não se comprehendeuentão nem depois. Sim, era o ultimo dossete cadernos, com a particularidade de ser o maisgrosso, mas não fazia parte do Memorial, diario delembranças que o conselheiro escrevia desde muitosannos e era a materia dos seis. Não trazia a mesmaordem de datas, com indicação da hora e do minuto,como usava nelles. Era uma narrativa; e, posto figureaqui o proprio Ayres, com o seu nome e titulode conselho, e, por allusão, algumas aventuras,nem assim deixava de ser a narrativa extranha ámateria dos seis cadernos. Ultimo porquê?

A hypothese de que o desejo do finado fosse imprimireste caderno em seguida aos outros, não é natural,salvo se queria obrigar a leitura dos seis,em que tratava de si, antes que lhe conhecessemesta outra historia, escripta com um pensamentointerior e unico, atravez das paginas diversas. Nessecaso, era a vaidade do homem que falava, mas avaidade não fazia parte dos seus defeitos. Quandofizesse, valia a pena satisfazel-a? Elle não representoupapel eminente neste mundo; percorreu a carreiradiplomatica, e aposentou-se. Nos lazeres doofficio, escreveu o Memorial, que, aparado daspaginas mortas ou escuras, apenas daria (e talvezdê) para matar o tempo da barça de Petropolis.

Tal foi a razão de se publicar sómente a narrativa.Quanto ao titulo, fôram lembrados varios, emque o assumpto se pudesse resumir, Ab ovo, porexemplo, apesar do latim; venceu, porém, a ideiade lhe dar estes dous nomes que o proprio Ayrescitou uma vez:

ESAÚ E JACOB

Dico, che quando l'anima mal nata...

DANTE.


CAPITULO PRIMEIRO

Cousas futuras!

Era a primeira vez que as duas iam ao morro doCastello. Começaram de subir pelo lado da rua doCarmo. Muita gente ha no Rio de Janeiro que nuncalá foi, muita haverá morrido, muita mais nascerá emorrerá sem lá pôr os pés. Nem todos podem dizerque conhecem uma cidade inteira. Um velho inglez,que aliás andára terras e terras, confiava-me hamuitos annos em Londres que de Londres só conheciabem o seu club, e era o que lhe bastava da metropolee do mundo.

Natividade e Perpetua conheciam outras partes,além de Botafogo, mas o morro do Castello, pormais que ouvissem falar delle e da cabocla que láreinava em 1811, era-lhes tão extranho e remotocomo o club. O ingreme, o desegual, o mal calçadoda ladeira mortificavam os pés ás duas pobres donas.Não obstante, continuavam a subir, como se fossepenitencia, devagarinho, cara no chão, veu parabaixo. A manhã trazia certo movimento; mulheres,homens, creanças que desciam ou subiam, lavadeirase soldados, algum empregado, algum logista, algumpadre, todos olhavam espantados para ellas, quealiás vestiam com grande simplicidade; mas lia umdonaire que se não perde, e não era vulgar naquellasalturas. A mesma lentidão do andar, comparadaá rapidez das outras

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