E-text prepared by Pedro Saborano
Notas de transcrição:
O texto aqui transcrito, é uma cópia integral do livro impresso em 1893.
Foi mantida a grafia usada na edição original de 1893, tendo sido corrigidos apenas pequenos erros tipográficos que não alteram a leitura do texto, eque por isso não foram assinalados.
No original havia uma errata. Nesta edição corrigimos os erros ali apresentados, e marcámos as alterações, colocando o texto originalmente impresso em comentário como aqui.
ALBERTO PIMENTEL
Manhãs de Cascaes
Edictor
Livraria Ferin
Lisboa
ALBERTO PIMENTEL
Manhãs de Cascaes
1893
LIVRARIA FERIN
LISBOA
Chegou o inimigo.
Ouvi hontem o seu clarim vibrante resoar sobre a minha cabeça em som deguerra.
Era a guarda avançada do grande exercito alado do verão, hunos do ar queinvadem os nossos quartos de cama zombando perfidamente de todas as nossasprecauções e dilacerando-nos a carne com o seu pequenino áspide, agudo como umpunhal.
—Ah! disse eu. É o primeiro mosquito que chega!
E estremeci de horror.
É que se ha animal n'este mundo que me incommode, que seja incompativelcomigo, esse animal é o mosquito,—o pequeno mosquito, um dos maissanguinarios inimigos da humanidade.{6}
Uma vez, em certa praia, um amigo meu mostrou-me o seu quarto, cujas paredesestavam revestidas de uma estranha pintura,—arabescos de sangue, o sangueda victima, o sangue d'elle, o desgraçado!
—Entram os mosquitos, dizia-me o meu pobre amigo, e roubam-me o que eutenho menos, roubam-me o sangue. Eu, não podendo repellir a aggressão, porqueessa praga de mosquitos vem aos centos, adoptei a estrategia de os deixarcevarem-se á vontade. Engordam e agiboiam-se, ficam obesos e inertes. Então sôaa hora da minha vingança, pego n'um sapato e atiro-me a elles como S. Thiagoaos mouros. Pá! pá! sapatada para a direita, sapatada para a esquerda, aqui seesborracha um, ali se estampa outro, a parede salpicada de sangue parece umcrivo, um mappa, e é assim que eu, durante um mez, tenho conseguido ornamentaro meu quarto com esta estranha decoração, arabescos de sangue roubado ás minhasproprias veias. O que está ali na parede sou eu, depois de ter atravessado pelointerior de um mosquito. Centenas d'elles me teem sugado, com o meu sangue teemvitalisado os seus orgãos sonoros, porque cada mosquito traz ás costas umafanfarra estrondosa, que nos ensurdece com o tinido dos seus metaes. Tenhon'aquella parede o meu sangue, e tenho no meu corpo a minha anemia: o traço deunião entre{7} aquillo, que é a parede, e isto,que sou eu, é o mosquito.
Ha banhista que prefere dormir na praia, sobre um banco de pau, ou mesmosobre a areia, a dormir em casa sob a tyrannia dos mosquitos.
Um sujeito encontrei eu já, que, accordando de madrugada meio devorado pelosmosquitos, sahiu para o meio da rua,—com o resto do corpo que elles lhetinham deixado